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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Peraí! Quem está controlando os protestos de rua?

De Leonardo Sakamoto, no Blog do Sakamoto
23/05/2011

Muitos representantes políticos não entendem como manifestações que recentemente ocorreram pelo país e pelo mundo não foram organizadas por partidos e associações, mas sim em um processo descentralizado. Que brotou espontaneamente a partir da insatisfação popular tanto à persistência de problemas existentes quanto aos tipos de soluções que vêm sendo dadas pelos próprios representantes políticos a esses problemas.

Os políticos tradicionais têm dificuldade em assimilar como Twitter e Facebook funcionam. Acreditam que são apenas um espaço para marketing pessoal ou, no máximo, um canal para fluir informação ou atingir o eleitor. Há também os que crêem que redes sociais funcionam como entidades em si e não como plataformas de construção política onde vozes dissonantes ganham escala, pois não são mediadas pelos veículos tradicionais de comunicação.


Como diz o professor espanhol Javier Bustamante Donas, as novas tecnologias de comunicação não são ferramentas de descrição da realidade, mas sim de construção e reconstrução desta. Quando a pessoa está atuando através de uma dessas redes, não reporta simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive. Documentos das manifestações que estão ocorrendo na Espanha foram criados coletivamente com participações de grupos em várias cidades diferentes em wiki pela rede. A distância não existe mais. O que levava semanas, agora ocorre em minutos.

Isso, é claro, vai mudar aos poucos a forma de se fazer política e as formas de participação social. O poder concedido a representantes, tanto em partidos, como em sindicados, associações, entre outros espaços, vai diminuir e a atuação direta das pessoas com os desígnios da pólis vai aumentar. Retomo algumas idéias que já havia postado aqui sobre a crise da esquerda no Brasil, agora sob o filtro da análise dos acontecimentos das últimas semanas. Vivemos tempos interessantes. O mundo não vai ser mais o mesmo. E se tudo isso não conseguir entrar na cachola da classe política, eles serão passados para trás mais rápido ainda. E, junto com a crença de que estão acima daqueles que representam, já irão tarde.

Antes de mais nada, uma retrospectiva. Tivemos três grandes ciclos da esquerda no país durante o século 20. Grosso modo, o primeiro deles, anarquista, foi fomentado pelos imigrantes europeus que vieram trabalhar na então nascente indústria paulista e difundiram seus ideais. O segundo, com os movimentos comunistas e socialistas, da intentona à resistência à ditadura militar dos anos de chumbo. O terceiro veio com o processo de redemocratização do país e a liberdade de organização civil e tem um forte tom partidário.

Ou seja, a esquerda durante o século 20 variou de acordo com a relação que firmava com o Estado. Do anarquismo, que não acreditava que ele fosse fundamental para o desenvolvimento da sociedade, passando pelo comunismo, que defendeu a necessidade de destruir o Estado para depois reconstruí-lo sob a direção do proletariado, até o “petismo” em que a esquerda acreditou que seria possível tomar o Estado dentro das regras do jogo da classe dominante, ou seja através da disputa político-eleitoral.

Veio o século 21 e uma das poucas certezas que tenho é que o paradigma do sistema político representantivo está em grave crise por não ter conseguido dar respostas satisfatórias à sociedade. Bem pelo contrário, apesar de ser uma importante arena de discussão, ele não foi capaz de alterar o status quo. Apenas lançou migalhas através de pequenas concessões, mantendo a estrutura da mesma maneira e a população sob controle. O Estado continua servindo aos interesses de alguns privilegiados detentores dos meios de produção. E a maioria das disputas relevantes no seio do Estado são eminentemente intraclasse, no caso a elite.

Os atores desse terceiro ciclo da esquerda fracassaram em sua idéia original de mudar o Estado por dentro. Grande parte do PT (deixando claro que há notáveis exceções) adotou práticas que ele mesmo abominava. Bem, todos conhecem a história.

Onde está a força mais progressista hoje? Nos movimentos sociais, nos grupos de base e em mobilizações sociais não-institucionais. Ou seja, atores que dialogam com o Estado, mas que estão fora dele, atuando na transformação da sociedade pelo lado de fora. Creio que isso se deve à desilusão com a política partidária tradicional, à incapacidade desta em dar alternativas para os jovens e ao fortalecimento de grupos que nunca adentraram no sistema partidário por não acreditarem em sua natureza ou por serem dele alijados.

A incapacidade do sistema representativo de gerar respostas satisfatórias levou também ao fortalecimento da luta da sociedade civil em outras frentes, como trabalho, comunicação, direitos humanos, meio ambiente, além da busca por liberdade individuais. Ressalte-se, apenas, que sociedade civil não é a mesma coisa que organizações não-governamentais, pois, a despeito das ONGs comprometidas com mudanças estruturais, muitas delas são de ordem cosmética e apenas reforçam as condições atuais.

O interessante é que esse quarto ciclo de esquerda, dos movimentos e da sociedade civil organizada ou não, tem muito a ver com o primeiro, lá no início do século 20. Ao questionar o papel do Estado e agir por conta própria, adota nuances de anarquismo. E leia-se “esquerda” sob uma nova ótica, considerando a aglutinação de grupo contrários ao status quo, mas que levantam bandeiras as mais diversas, como as já citadas anteriormente.

Por exemplo, protestos contra estações de metrô que têm sua localização alterada em benefícios de um grupo social privilegiado; ocupações de reitorias pelos estudantes, de terras improdutivas pelos sem-terra ou de prédios abandonados por sem-teto; manifestações pelo direito ao aborto, pelo uso de substâncias consideradas como ilícitas e outras liberdades. Todas têm um objetivo muito maior do que obter concessões de curto prazo. Elas não servem apenas para garantir transporte público, tapar as goteiras das salas de aula, desapropriar uma fazenda ou destinar um prédio aos sem-teto ou ainda conquistar direitos individuais. Os problemas enfrentados pelos movimentos envolvidos nesses atos políticos não são pontuais, mas sim decorrência de um modelo de desenvolvimento que enquanto explora o trabalho, concentra a renda e favorece classes de abastados, deprecia a coisa pública (quando ela não se encaixa em seus interesses) ou a privatiza (quando ela se encaixa).

Ou seja, as ações são uma disputa de poder feita simultaneamente em âmbito local e global que, no horizonte histórico, poderá resultar na manutenção da pilhagem econômica, social e cultural da grande maioria da sociedade ou levar à implantação de um novo modelo – mais humano, livre e democrático.

O problema é que toda mudança leva a um enfrentamento. Há uma disputa sendo travada, por exemplo, entre pessoas da velha e da nova esquerda, por exemplo. O discurso de que o desenvolvimento é a peça-chave para a conquista da soberania (o que concordo) e que, portanto deve ser obtido a todo o custo (o que discordo) tem sido usado por pessoas que foram comunistas, tornaram-se petistas e hoje fazem coro cego ao PAC do governo federal. Mantém viva a parte ruim do pensamento do genial Celso Furtado que, na prática, significa que é necessário sacrificar peões para ganhar o jogo.

Bem, como se resolve esse enfrentamento? Eu tenho dúvidas sobre a possibilidade de que isso se resolva. O problema entre a velha e a nova esquerda está no contexto histórico em que seus atores foram formados. Não adianta mostrar fatos novos ou uma nova luz para a interpretação da realidade, há grupos que fecham e não abrem com o padrão de desenvolvimento forjado na ditadura – paradoxalmente a mesma ditadura que os torturou – ou padrões paleozóicos de interpretação da realidade.

A meu ver a solução se dará através de renovação geracional, ou seja, os mais antigos se retirando com a idade para dar lugar aos mais novos, formados em uma matriz diferente. É triste que seja assim, mas tendo em vista os últimos embates, não acredito em conciliação possível.

A história mostra que apesar da esquerda ter capacidade de influenciar a realidade no país, ela não foi capaz de transformá-la. E a menos que algum dos novos ciclos traga respostas para romper com a estrutura atual, continuaremos vendo eles se repetirem nos fracassos. A reconquista do espaço público traz uma lufada de esperança para a busca de respostas. Talvez essa nova geração, auxiliada pela tecnologia, faça a diferença na forma que os que vieram antes ainda não conseguiram fazer.

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