Reproduzo aqui excelente artigo de Guilherme Delgado, publicado no jornal Brasil de Fato. Neste artigo, o autor traz elementos e reflexões que nos ajudam a pensar melhor sobre o Governo Dilma (entendendo-o como continuidade do Governo Lula). O governo Lula/Dilma vem dividindo as análises e consequentes posturas das diversas forças de esquerda. De um lado estão aquelas que identificam no governo PT a pura e simples representação da burguesia, da política neoliberal, não havendo assim diferença entre os governos do PT e do PSDB. Do outro lado estão aqueles que veem o governo Lula/Dilma em disputa. Ou seja, diante de tamanho arco de alianças que foram necessárias para alcançar o sucesso na estratégia eleitoral, dentro dos governos PT temos setores diversos da burguesia e da classe trabalhadora. Assim, o nosso papel seria pressionar e mobilizar as massas para “puxar” o governo para a esquerda.
Como pano de fundo dessa dualidade perante o governo PT está a estratégia adotado nos oito anos (indo para nove). Afinal, essa estratégia desenvolvimentista, com “distribuição” de renda através de programas sociais, sem reformas estruturais que possam garantir sustentabilidade para uma distribuição de renda, serve a quem: à burguesia ou aos trabalhadores?
É claro que aqui nesse ponto estou pressupondo que Marx estava certo que na relação entre as classes quando um ganho o outro necessariamente perde, pois tendo interesses inconciliáveis, um tal “governo de coalizão” ou “governo de conciliação” seria impossível. E a partir disso, fico pensando se não estamos nos engando quando dizemos que a classe trabalhadora obteve ganhos reais no último período. Reconheço que do ponto de vista econômico, a renda dos trabalhadores aumentaram acima da inflação. Contudo, a burguesia não parte do seu bolo, ao contrário, esse aumentou e aumentou muito mais do que os “ganhos reais” que a classe trabalhadora obteve. E isso só foi possível por um momento da economia externa favorável, permitindo um crescimento da economia brasileira. Ora, se eu tenho uma participação no bolo, num determinado momento, de 5%, e num segundo momento essa participação passa a ser de 4% (mesmo esses 4% sendo maiores do que os 5% do primeiro momento), eu entendo que, mesmo aparentemente estando a ganhar mais, na verdade tive perdas durante esse período.
Bom, minha apropriação de economia só me permitir vir até esse questionamento. Gostaria inclusive de que através do debate franco, os camaradas que tiverem mais elementos para clarear essas questões que contribuam.
Para ler o artigo de Guilherme Delgado, clique no link abaixo para ver a postagem completa, ou clique aqui para ver no site do Brasil de Fato.
Dada a atual configuração da inserção do Brasil no comércio mundial, os recursos naturais passaram a figurar como vetor principal de competitividade externa.
18/07/2011
Guilherme Delgado
A economia brasileira, a julgar pelos investimentos que vem crescendo mais rapidamente na última década, deverá se expandir no quadriênio do governo Dilma puxada por três demandas estratégicas principais – os programas de energia do PAC (petróleo e hidroeletricidade), os Planos de Safra Anuais da Agricultura, e os investimentos em infraestrutura ligados à Copa do Mundo/olimpíadas. Esses três “setores” seriam como que responsáveis por alavancar o conjunto do sistema econômico, crescendo á frente dos demais, mediante aplicação de investimentos que supostamente estariam elevando a produção e a produtividade do trabalho no conjunto da economia. Esta é a aposta dos ‘desenvolvimentistas’ do governo, para o que contam com um cenário externo favorável, que confirme essas demandas. Crises externas mais graves cortariam esse ciclo de crescimento, pelas razões adiante expostas.
Por outro lado, as bases materiais sobre as quais se apoiam as apostas do desenvolvimento dependem fortemente do ingresso de capital estrangeiro para financiar mega projetos de inversão e de demanda externa por “commodities”. Essa demanda externa (exportação de mercadorias) cumpre o papel de solvência parcial à remuneração do conjunto do capital estrangeiro operante ou em trânsito no país.
Se atentarmos para a estrutura econômica dos setores que já crescem à frente dos demais há alguns anos, veremos que há certo denominador comum presente na produção do petróleo, da hidroeletricidade, do agronegócio e também da mineração. Todos esses ramos produtivos operam com base em monopólio de recursos naturais, que nas suas dotações originais independem de investimentos ou de aplicação do trabalho humano para produzi-los.
Dada a atual configuração da inserção do Brasil no comércio mundial, os recursos naturais passaram a figurar como vetor principal de competitividade externa. O pressuposto dessa competitividade, baseada em estoques finitos de recursos naturais, é preocupante por varias razões. As matérias primas aí produzidas apresentam baixa agregação de trabalho humano; há forte pressão por super-exploração dos recursos naturais em curto prazo; e a inovação técnica de ponta no sistema industrial fica relativamente relegada a segundo plano, (exceto no caso do petróleo – pré-sal), porque os ganhos de produtividade do subsistema exportador estão muito mais ligados às chamadas vantagens comparativas naturais.
Temos uma armadilha grave nesse quadro estratégico. Competitividade externa de “commodities” agrícolas e minerais, apoiada no argumento da produtividade da terra e das jazidas minerais disponíveis, sustenta um processo de acumulação de capital no conjunto da economia fortemente dependente de capital estrangeiro. A resultante inevitável é superexploração de jazidas e terra novas e ou intensificação do pacote técnico agroquímico nas zonas já exploradas, para obter maior fatia no mercado externo de produtos primários. Esse arranjo não é sustentável em médio prazo, econômica e ecologicamente. Os tais ganhos de produtividade exportados em minerais, petróleo, carnes, grãos, etanol etc. tendem a se extinguir no tempo com a dilapidação paulatina dos recursos naturais não renováveis.
O perfil distributivo deste modelo não é menos perverso. Os ganhos de produtividade na fase expansiva das “commodities” viram renda da terra e do capital, capturadas privadamente pelos proprietários de terras, jazidas e do capital; mas os custos sociais e ambientais da superexploração desses recursos e do trabalho precarizado aí envolvido são da sociedade como um todo. Compensações se tornam necessárias, mas não seria remédio suficiente para suprir a renda da força de trabalho e os custos sociais degradantes do trabalho e do meio ambiente.
Este quadro econômico de produção e repartição do excedente econômico evidentemente não se compra com democracia política e social. Não está claro que o governo atual tenha clareza de sua não sustentabilidade em médio prazo. O sistema tributário e a política social provavelmente teriam que extrair e redistribuir uma parcela muito grade da renda da terra e do capital para suprir necessidades básicas; e ainda que o fizessem não resolveriam o problema de fundo. Mas como fazê-lo se esse sistema estiver sob controle político dos donos da riqueza?
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